25 de abril de 2011

SOB O ESTIGMA DA PALAVRA: O NASCIMENTO DO SUJEITO


Desde a consciência mais primeva, que nossas mentes podem recordar, sobre a origem do Homem, na condição de personagem que protagoniza a cena do pensamento, no meio do mundo natural, até à redescoberta de nosso papel, nas sociedades pós-informacionais, somos / estamos, com efeito, timbrados com a tinta inapagável da PALAVRA no corpo e na alma. Palavra que inaugura a mobilidade reflexiva, nos anais da Filosofia e da História, e que nos classifica como seres primos, também no campo da cultura. Física e Metafísica parecem convergir para um ponto singular: o universo possível da palavra e seu rastro para além do tempo e do espaço.
As culturas planetárias, através de suas mitologias e suas linguagens modelares, nos legaram o fascinante e o fatídico véu da palavra. Assim, sob o véu misterioso daquela, o mundo surgiu, apareceu, eclodiu; emergiu como fábula das trevas alucinantes para figurar como elemento redentor e perfeito no meio do Cosmo. Milagre, plano da criação, discurso religioso, lenda, mito, verdade e / ou não-verdade, o fato indelével é que tudo que é perceptível ao nosso olhar, inclusive a nossa própria imagem plasmada no espelho, nasceu do fenômeno ímpar advindo da palavra, na condição de verbo fundador e nomeador de tudo que existe no mundo. 
A nossa existência, calcada na palavra fundadora, é a causa do Ser e de sermos o que somos, na morada que chamamos de planeta Terra. Palavra que é lógos, lógos que é fogo, fogo que revelou a luz primordial aos homens e deu-lhes o conhecimento que antes pertencia aos deuses. Reside nesta sentença, portanto, a condição humana de ser: o verbo. Por meio da palavra, o nada gerou o tudo e o não existente transformou-se no existente. O Homem está situado na atraente e enigmática equação que determina a sua consciência. Qual seja: não éramos ( não - ser), passamos a ser ( somos ) para, finalmente, deixarmos de ser ( não - ser). Setença que não pode ser fraturada e que nos aprisiona em labirintos mortais, tornando-nos reféns de uma angústia universal e eterna.
O sujeito nasce no momento em que a angústia nos rouba da pseudo paz que pensamos gozar porque, um dia, adentramos o mundo do conhecimento - sempre crescente, inesgotável; sinônimo de Abismo; precipício vertiginoso que nos faz tombar como Ícaro, que, encantado com o vôo, descobriu no desejo impetuoso de ser Deus a sua própria desmedida.
O lógos, na condição de força que engendra no mundo o não - saber, é, também, o vetor que nos impele para a redenção do nosso próprio ser: o de ser sujeito no Real, com todas as suas gradações - da mais densa e visível à mais diáfana e não visível aos olhos humanos. E assenhorar-se do lugar da subjetividade, que é o que nos diferencia das outras espécies animais no mundo, é certificar-se, acima de qualquer especulação, de que a consciência de ser sujeito descortina outra realidade para o sentido de nossa existência limitada pela palavra que nomeia e ilimitada pela linguagem que nos liberta: a constatação inequívoca de que, para além do corpo físico que nos constitui biologicamente, portamos algo que jaz na anterioridade de nossas representações primevas e arcaicas - a nossa alma; ou para sermos mais precisos, a nossa psiquê.
Ora, se, por um lado, recebemos o lógos divinal e fundador, chave de acesso para o autoconhecimento, o conhecimento do Outro e da realidade que nos circunda, por outro lado, redescobrimo-nos como entidades ontológicas, cuja nascente verte da nossa alma, a nossa inefável psiquê. Desse modo, o sujeito é o resultado de uma adição matematicamente perfeita: o verbo, de matizes infinitas, e o psiquismo, que revela a nossa verdadeira face, através do deslindamento das realidades internalizadas do nosso ser: o Id, o Ego e o Superego - instâncias nas quais o pensamento se transforma em atividade de prazer, e o ser ultrapassa o sentido basilar de mera ação reflexiva ou pilar de nossos instintos mais bestiais ou primordiais.
Ao reconhecermos o sujeito como entidade fundada pela palavra, admitimos que a psiquê é o fundamento puro da Linguagem, que, no plano do simbolismo, poetiza o verbo e o desloca para o inconsciente - sentinela de nossa verdade absoluta e impressão digital de nossa alma, cuja concepção nos estudos metapsicológicos  não descamba para o abstracionismo impreciso, mas, antes, reconfigura o aparelho psíquico, que nos torna filhos do lógos ígneo e misterioso e atores na cena do desejo: desejo que faz da alma a fábrica de sonhos, prazeres, desprazeres, traumas, neuroses, psicoses etc; desvelando, em última análise, a verdade que tece o sentido da existência humana. Qual seja: a de ser o que somos e o que deveremos ser, sempre, e não o seu contrário. Paradoxo? Sujeito e verbo se confundem no psiquismo porque a verdade da alma é a tessitura do próprio ser, que, no inconsciente, surge como fogo eterno e ilumina o ser metapsicológico, que somos, através da infindável cadeia das representações que se desprendem como fagulhas na realidade, renovando a  letra psicanalítica e, por conseguinte, sua linguagem para além dos estatutos lógicos da objetividade científica.