17 de maio de 2011

O instinto da sexualidade e a onto-análise: convergências teóricas



Antes de o Homem ser racional, ele é, acima de tudo, animal. Questão de base naturalista que ancorou o pensamento da ciência no século XIX. Neste sentido, é imperioso afirmar que a questão da sexualidade parece preponderar sobre as demais, a meu ver.
Com efeito, o que move a espécie humana diante da vida, compreendida como um mecanismo dinâmico  marcado por fases distintas, é, sem dúvida, o instinto inicial de uma sexualidade nascente, e que revela, para além do status biológico do próprio Homem, a condição psíquica do ser dos contrários, através de suas relações onde o duo consciente - inconsciente opera a cadeia das significações do instinto, do impulso, e, por fim, da carga energética, que define o processo de sua atividade sexual.
Se, por um lado, o instinto incial (re)liga o Homem às animalidade e ancestralidade primevas, concomitante e respectivamente, revelando aquele como elemento que emerge da physis, por outro lado, o mesmo instinto o
(des)liga abruptamente do estágio genuíno de barbárie, do qual surgira, para assumir o movimento pendular na cena da cultura, transformando-o, em última análise, no ser das tensões. A partir daí, a sua relação com o Real se dá, impulsivamente, através do instinto de sexualidade, cuja ação se dá em quatro etapas distintas, até sua  completa diluição enquanto impulso constante. Por esta via, portanto, o Homem, inicialmente, encarna, em seguida, retém, depois condensa, e, por fim, detona a própria carga de tensão, que determina, dentre outras características, o perfil daquele no espaço da civilidade. Civilidade construída e desconstruída, cíclica e constantemente, sob o estigma sisifiano dos primórdios.
Esse percurso, ora dialético, não torna o Homem um agente menor ou maior diante da realidade que estabelece o seu espaço vivencial, mas, antes, é suficientemente capaz de produzir uma onda crescente de aceitação daquela realidade, que oportunamente denomino ajustamento em um determinado limite por ele estabelecido; e que, por sua vez, cria, de forma espontânea e inevitável, os nódulos tensionais. Tais nódulos submetem o ser racional, que somos, às leis instintivas e animalesca de uma sexualidade originária.
O ato sexual, compreendido como uma ação eminentemente biológica entre dois seres humanos, serve para demonstrar, pelo lado físico, a liberação das tensões; as descargas orgânicas, que podem ou não conter amálgamas de afetividade. 
Já o ato sexual, reconhecido como fonte de erotismo e como ação impulsiva de dois corpos, na gradação máxima de um ajustamento instantâneo, detona o ser contido dos protagonistas da cena sexual, deixando-os livres de si mesmos; à deriva; desfeitos e/ou descontruídos, eu diria, em um tempo mais do que corpóreo, cujo ápice é traduzido pela atividade geradora e mantenedora do prazer. Prazer que expõe fundamentalmente o ser dos corpos individuais e o Ser universal em toda sua plenitude.
O ato sexual visto como relação matrimonial não terá outro fim senão o da procriação da espécie, respeitando os códigos da civilidade imposta pelo próprio Homem, e levada a termo com todas suas implicações sociais. Quaisquer desvios das normas serão objetos de estudo de um psiquismo recalcado por um superego tirânico e coletivo.
Importa salientar nesta análise que, não excluindo o sentido cultural que deflagra o processo de procriação, propriamente dito, que é, efetivamente, o da perpetuação da espécie, interessa-me, sobremaneira, a animalidade que faz dois seres, em princípio, buscar a união, sob os mais variados propósitos, para a manutenção do casamento enquanto instituição sócio-religiosa, cuja base contratual é, por excelência, a econômica.
Poderia, neste artigo, explanar as várias faces de uma moeda singular, porém, quando advogo a tese do instinto sexual do / no Homo, como força propulsora de / em todas as relações do Homem com a Alteridade, estabelecendo uma relação mais do que bilateral, e dele com seu meio circundante, reificado ou não, investigo, nos tais nódulos tensionais, já mencionados anteriormente, a progressão, em cadeia, dos atos essenciais e culturais a partir de uma psicanálise existencial, se tal redundância comportar ecos plausíveis.
De Sigmund Freud a Georges Bataille, em consonância com o pensamento de Martin Heidegger, renovando a interpretação de Paul Ricouer, além do timbre necessário de Winnicott, em princípio, parece-me que a questão sobre o Ser e seu movimento angular, a partir de uma sexualidade primeva e sua respectiva esfera de alcance, fora vislumbrada, a priori, mas não aprofundada, a posteriori.
Cabe-me, pois, erigir um ideário de posicionamentos e de questões relevantes, no sentido de que representavam uma camada intermediária da principal, à época, e que não foram objetos de investigação e de interesse principal de vários teóricos, que se ocupavam com o universo do psiquismo, e que ora elaboro, dadas as proposições lógicas que conduziram as diversas posturas filosóficas e críticas daqueles na história da Filosofia, da Psicologia, da Psicanálise e da Sociologia, cujas águas têm invadido, nos dias atuais, o discurso metapsicológico.
Se, por um lado, os pensadores aos quais me referi acima perceberam, em suas trajetórias, as questões essencias do Homem, enquanto sujeito que se descobre em profundo estado de reflexão, paradoxalmente, por outro lado, não reconheceram os pontos vitais de uma ontologia que, no seu devir, apontava para o declínio daquele, e que, em nome de uma modernidade high tech e materialista, distanciava-o de uma linguagem uníssona, de tônus inaugural.
A despeito disso, portanto, insisto na hipótese de que pensar o Ser em toda sua complexidade, a partir de um institnto, que é o da sexualidade, é atribuir-lhe outra configuração, penso eu, e carente de elaborações congêneres; é recolocá-lo na ordem do dia, ressignificando o dito instinto primordial, que surge em uma efera anorgânica - Winnicott -, ganha força nos impulsos sexuais - Freud -, e universaliza-se na reflexão filosófica da letra psicanalítica - Lacan.
Em última instância, é pensar os limites, na coletividade contemporânea e extemporânea, da própria Psicanálise, que, no espaço de/em crise, projeta seus referenciais para tempos vindouros, renovando seu estatuto e reinventando sua linguagem, através de uma epistemologia que nasce das interações marcadas pelo instinto de sexualidade, de acentos e representações múltiplas.
Outrossim, assevero que não é meu intento desfazer postulados, arduamente construídos pelos ícones do pensamento psicanalítico, desde o seu nascimento até à contemporaneidade, mas, antes, oportunizar reflexões, adicionando-as às discussões já existentes, sob a tese da ampliação e do redimensionamento dos espaços e dos limites da Psicanálise nos dias atuais; seu modus operandi e seu objetivo final.
Ainda que o pensamento freudiano determine que a sexualidade como a conhecemos está localizada no psiquismo, obedecendo a mecanismos próprios, não devemos obliterar nem tampouco extrair da natureza humana o predicativo fundador daquela, i. e., o seu traço primordial que a torna um elemento instintivo, mantendo-a permanentemente ligada ao mundo natural tal qual se dá com todas as espécies animais espalhadas no planeta.
Finalmente, cumpre esclarecer que este texto é fruto de uma pesquisa que se instaura a partir da sexualidade humana, sua origem, seu determinismo, seus reflexos, e, sobretudo, sua atuação na grande transição que o Homem empreende, ao atravessar os portais do novo milênio.


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