30 de maio de 2011

Sujeito e Objeto: duas faces de uma moeda singular.


O sujeito nasce de um corte; de um corte abrupto, violento, fatal, e, portanto, definitivo. Corte que é dado a partir do efeito dramático causado pela castração do Pai na horda primordial - lei regente sobre a inextrincável rede de humanos em suas relações sociais e psicossociais.
Neste direcionamento, o Sujeito, modulação egóica, que está "sob o lance" - sub jectum -, não deve / não pode ser considerado uma instância ou um elemento visível, ou, ainda, algo fadado ao aparecimento determinado pelo acaso como acontece com outros eventos conhecidos na realidade objetiva, marcada pelo ato de nomear. Desse modo, para além da existência e da essência, o sujeito é um móvel neutro em processo de valoração e revaloração contínuas.
O fenômeno que atesta o aparecimento do Sujeito paradoxalmente se presentifica em seu próprio ocultamento. Velando-se e desvelando-se, em conjunção com o Real, o Sujeito ascende à condição psicológica a partir do duo presença - ausência. Assim, mediado pela Linguagem, sua espinha dorsal, aquele plenifica seu estado de completude na aparência, onde a essência é recalcada pela voz recôndita do inconsciente, permanentemente natural, selvático, originário, e, afortunadamente, poético. Este processo deflagra o movimento do Sujeito enquanto categoria constituinte e constituída; i. é, a circularidade é a dinâmica inequívoca da rubrica do EU nos processos biológico, sociológico, e, por fim, psicológico. Ser sujeito, neste sequenciamento analítico, é ser menos transparente do que ser objeto. O sujeito se apresenta difuso, opaco e nebular diante do Outro; e a Alteridade - o objeto - é o alvo claro, definido e perseguido, de forma obsessiva, na relação dominante, dominadora e, por conseguinte, imperativa do EU versus OUTRO.
Se cabe à Psicanálise, dentre outras competências, primar pela relação Sujeito - Objeto, privilegiando os limites e os não - limites entre o EU e sua ALTERIDADE, a instância do subjectum buscará sempre uma relação sexualizada com o objeto que lhe complete. O Eu, acidentalmente formado por vazios infinitos, intenta o preenchimento de suas lacunas originais para a manutenção razoável de seu equilíbrio aparente. Portanto, é mais coerente que se afirme que a verdade subjetiva tende a descambar, por vícios fundamentais, para uma parcialidade impositiva, no que concerne à totalidade ideal daquela sentença de verdade do que o seu contrário.
Parece-me, com efeito, que a verdade objetal é mais totalizante, pois, na relação SUJEITO - OBJETO, a segunda instância aparece para completar silenciosamente o sentido de ser do sujeito; este último, ávido por saciar seus desejos, sejam de que natureza forem. É como o toque mitológico do Rei Midas, que, ao tatear tudo aquilo que passava por suas mãos, por causa de sua vontade soberana e incontestável, se transformava em ouro. Assim é o Sujeito, pois este é, indubitavelmente, o responsável pela transformação de todas as realidades circundantes, desde a mais ínfima e invisível à mais complexa,  perceptível e imperceptível para o olhar humano, em última escala. É, ainda, o Sujeito quem promove o despertamento, quando toma para si o Outro; o seu objeto.
Sabe-se, contudo, que a relação Sujeito - Objeto não se pauta em uma unilateralidade pacífica e conformadora entre as partes envolvidas. A medida do Sujeito será definida pelo Outro, pois o processo que determina a essência do sujeito, simbioticamente, na relação e co-relação de forças entre as duas faces de uma moeda de imagens indissociáveis, é  / deve ser determinado pela simultaneidade, pelo câmbio, pela bilateralidade na equação sujeito x objeto = objeto x sujeito, estabelecendo, invariavelmente, a cadeia virtuosa, necessária e neurótica do eu e de seu desejado objeto.
Mário de Sá-Carneiro, poeta luso, que viveu em fins do século XIX e desapareceu na decadência epocal, legou, para a literatura universal, pérolas inestimáveis, em sua prodigiosa lírica, e que transporto para esta reflexão a fim de corroborar o presente ideário. No poema intitulado 7,  a voz poemática declara:

                                         Eu não sou eu nem sou o Outro
                                         Sou qualquer coisa de intermédio:
                                               Pilar da ponte de Tédio
                                              Que vai de mim para o Outro.* 

Ao sequestrar as palavras do poeta português para o que proponho nesta "tessitura psicanalítica", comove-me, sobremaneira, o intermezzo que o eu-lírico no poema transcrito acima denuncia, para além de um poeticismo marcado por dubiedades ou hesitações de um ser sobre o fio mortal da navalha; i. e., a sua existência misteriosa, incompleta e de cartilagem barroca. 
Desse modo, cumpre ressaltar que é no espaço do intermédio que a relação sujeito - objeto se forma, consolidando o processo de equilíbrio das forças vetoriais no qual a carga de representação do sujeito escoa em proporção similar àquela a ser demandada pelo objeto, promovendo, por fim, a bilateralidade da relação, com suas semelhanças e dessemelhanças. A diversidade deverá convergir para a unidade nos traços de uma subjetividade que deseja e de um objeto que é desejado. O sujeito, por esta via, não é mediado apenas pela Linguagem que configura no Real as representações do Eu e do Outro, mas, é intermediado pelo objeto que emerge triunfante diante do olhar sexualizante do sujeito, sob a égide colossal do Wunsch (Desejo).
Neste sequenciamento, cabe evocar, portanto, a identidade narcísica que naturalmente está incrista em todo ser que se descobre na condição de sujeito, pois, aquele, ao se revelar como sujeito, revela-se como objeto, e, ao se revelar como objeto, revela-se como sujeito - trilhas de um jogo espetacular e especular. 
A descrição acima referida remonta ao conceito freudiano sobre as pulsões de vida e as pulsões de morte; Eros e Tânatos na cena primeva do Caos - dimesnsão cosmológica e mítica na qual repousa, arquetipicamente, a ancestralidade sexual da Humanidade.
Com efeito, na relação sujeito - objeto, a parcialidade da verdade subjetiva preponderá sobre a do objeto. Esta afirmação, aparentemente cristalina, revela a face oculta do paradoxo. Ora, se o sujeito é aquele que atua na realidade, através de seu desejo sexual em relação ao seu objeto, aquele, movido pela ânsia da busca constante, tentará, incansavelmente, atrair para suas fronteiras o seu objeto. Logo, este cortejo logrará êxito por uma verdade parcializada pelo sujeito, que deverá ser capaz de ludibriar o objeto desejado. O desejo sexual, portanto, transformar-se-á no desejo erótico.
Ao contrário do sujeito, o objeto se expõe - ob - jectum (lançado para fora), permanentemente. Por esta via, cabe assinalar que a verdade do objeto será mais imparcial na medida em que se tornar complemento de seu sujeito desejante. Despertado para sua função objetiva, o objeto equilibrará um conjunto de forças totalizantes, expostas e dispostas em relação ao sujeito.
Ser objeto não implica asfixiar o desejo, que é parte integrante do grande cortejo, pois a Psicanálise, ao eleger o estádio do desejo como uma de suas investigações centrais, busca rastrear, no desvelamento da realidade, o momento preciso em que o sujeito alcança o seu objeto no trajeto inequívoco da Linguagem, onde a relação se inverte, eclipsando o duo desejante - desejado em uma superfície comum, singular.
A menor imparcialidade do sujeito ou a maior exposição do objeto confere à prática da ação incontinente do desiderare o élan fundamental para que a Psicanálise se constitua como porto de ancoragem de todas as reflexões sobre a sexualidade e seus desdobramentos factíveis.
Para além da representação simbólica do sujeito e do objeto e sua modulação no psiquismo, é o Desejo (Wunsch) que pontifica a relação dual, pois a conexão entre desejante e desejando é, per si, a manutenção do próprio status da realidade que, ao ser codificada, se torna o instrumento vivo e adequado para que a ação efetiva do desejar seja elevada à estatura plena do sexual, em todas as suas configurações.
O corte final é abrupto e violento, e as cortes são cessadas: o Homem não é o ser dos instintos, mas o ser das pulsões - Trieb.


Referência:

*  CARNEIRO, Mário de Sá. Obra completa. Vol. único. Rio de Janeiro : Aguilar, 1995.
  

17 de maio de 2011

O instinto da sexualidade e a onto-análise: convergências teóricas



Antes de o Homem ser racional, ele é, acima de tudo, animal. Questão de base naturalista que ancorou o pensamento da ciência no século XIX. Neste sentido, é imperioso afirmar que a questão da sexualidade parece preponderar sobre as demais, a meu ver.
Com efeito, o que move a espécie humana diante da vida, compreendida como um mecanismo dinâmico  marcado por fases distintas, é, sem dúvida, o instinto inicial de uma sexualidade nascente, e que revela, para além do status biológico do próprio Homem, a condição psíquica do ser dos contrários, através de suas relações onde o duo consciente - inconsciente opera a cadeia das significações do instinto, do impulso, e, por fim, da carga energética, que define o processo de sua atividade sexual.
Se, por um lado, o instinto incial (re)liga o Homem às animalidade e ancestralidade primevas, concomitante e respectivamente, revelando aquele como elemento que emerge da physis, por outro lado, o mesmo instinto o
(des)liga abruptamente do estágio genuíno de barbárie, do qual surgira, para assumir o movimento pendular na cena da cultura, transformando-o, em última análise, no ser das tensões. A partir daí, a sua relação com o Real se dá, impulsivamente, através do instinto de sexualidade, cuja ação se dá em quatro etapas distintas, até sua  completa diluição enquanto impulso constante. Por esta via, portanto, o Homem, inicialmente, encarna, em seguida, retém, depois condensa, e, por fim, detona a própria carga de tensão, que determina, dentre outras características, o perfil daquele no espaço da civilidade. Civilidade construída e desconstruída, cíclica e constantemente, sob o estigma sisifiano dos primórdios.
Esse percurso, ora dialético, não torna o Homem um agente menor ou maior diante da realidade que estabelece o seu espaço vivencial, mas, antes, é suficientemente capaz de produzir uma onda crescente de aceitação daquela realidade, que oportunamente denomino ajustamento em um determinado limite por ele estabelecido; e que, por sua vez, cria, de forma espontânea e inevitável, os nódulos tensionais. Tais nódulos submetem o ser racional, que somos, às leis instintivas e animalesca de uma sexualidade originária.
O ato sexual, compreendido como uma ação eminentemente biológica entre dois seres humanos, serve para demonstrar, pelo lado físico, a liberação das tensões; as descargas orgânicas, que podem ou não conter amálgamas de afetividade. 
Já o ato sexual, reconhecido como fonte de erotismo e como ação impulsiva de dois corpos, na gradação máxima de um ajustamento instantâneo, detona o ser contido dos protagonistas da cena sexual, deixando-os livres de si mesmos; à deriva; desfeitos e/ou descontruídos, eu diria, em um tempo mais do que corpóreo, cujo ápice é traduzido pela atividade geradora e mantenedora do prazer. Prazer que expõe fundamentalmente o ser dos corpos individuais e o Ser universal em toda sua plenitude.
O ato sexual visto como relação matrimonial não terá outro fim senão o da procriação da espécie, respeitando os códigos da civilidade imposta pelo próprio Homem, e levada a termo com todas suas implicações sociais. Quaisquer desvios das normas serão objetos de estudo de um psiquismo recalcado por um superego tirânico e coletivo.
Importa salientar nesta análise que, não excluindo o sentido cultural que deflagra o processo de procriação, propriamente dito, que é, efetivamente, o da perpetuação da espécie, interessa-me, sobremaneira, a animalidade que faz dois seres, em princípio, buscar a união, sob os mais variados propósitos, para a manutenção do casamento enquanto instituição sócio-religiosa, cuja base contratual é, por excelência, a econômica.
Poderia, neste artigo, explanar as várias faces de uma moeda singular, porém, quando advogo a tese do instinto sexual do / no Homo, como força propulsora de / em todas as relações do Homem com a Alteridade, estabelecendo uma relação mais do que bilateral, e dele com seu meio circundante, reificado ou não, investigo, nos tais nódulos tensionais, já mencionados anteriormente, a progressão, em cadeia, dos atos essenciais e culturais a partir de uma psicanálise existencial, se tal redundância comportar ecos plausíveis.
De Sigmund Freud a Georges Bataille, em consonância com o pensamento de Martin Heidegger, renovando a interpretação de Paul Ricouer, além do timbre necessário de Winnicott, em princípio, parece-me que a questão sobre o Ser e seu movimento angular, a partir de uma sexualidade primeva e sua respectiva esfera de alcance, fora vislumbrada, a priori, mas não aprofundada, a posteriori.
Cabe-me, pois, erigir um ideário de posicionamentos e de questões relevantes, no sentido de que representavam uma camada intermediária da principal, à época, e que não foram objetos de investigação e de interesse principal de vários teóricos, que se ocupavam com o universo do psiquismo, e que ora elaboro, dadas as proposições lógicas que conduziram as diversas posturas filosóficas e críticas daqueles na história da Filosofia, da Psicologia, da Psicanálise e da Sociologia, cujas águas têm invadido, nos dias atuais, o discurso metapsicológico.
Se, por um lado, os pensadores aos quais me referi acima perceberam, em suas trajetórias, as questões essencias do Homem, enquanto sujeito que se descobre em profundo estado de reflexão, paradoxalmente, por outro lado, não reconheceram os pontos vitais de uma ontologia que, no seu devir, apontava para o declínio daquele, e que, em nome de uma modernidade high tech e materialista, distanciava-o de uma linguagem uníssona, de tônus inaugural.
A despeito disso, portanto, insisto na hipótese de que pensar o Ser em toda sua complexidade, a partir de um institnto, que é o da sexualidade, é atribuir-lhe outra configuração, penso eu, e carente de elaborações congêneres; é recolocá-lo na ordem do dia, ressignificando o dito instinto primordial, que surge em uma efera anorgânica - Winnicott -, ganha força nos impulsos sexuais - Freud -, e universaliza-se na reflexão filosófica da letra psicanalítica - Lacan.
Em última instância, é pensar os limites, na coletividade contemporânea e extemporânea, da própria Psicanálise, que, no espaço de/em crise, projeta seus referenciais para tempos vindouros, renovando seu estatuto e reinventando sua linguagem, através de uma epistemologia que nasce das interações marcadas pelo instinto de sexualidade, de acentos e representações múltiplas.
Outrossim, assevero que não é meu intento desfazer postulados, arduamente construídos pelos ícones do pensamento psicanalítico, desde o seu nascimento até à contemporaneidade, mas, antes, oportunizar reflexões, adicionando-as às discussões já existentes, sob a tese da ampliação e do redimensionamento dos espaços e dos limites da Psicanálise nos dias atuais; seu modus operandi e seu objetivo final.
Ainda que o pensamento freudiano determine que a sexualidade como a conhecemos está localizada no psiquismo, obedecendo a mecanismos próprios, não devemos obliterar nem tampouco extrair da natureza humana o predicativo fundador daquela, i. e., o seu traço primordial que a torna um elemento instintivo, mantendo-a permanentemente ligada ao mundo natural tal qual se dá com todas as espécies animais espalhadas no planeta.
Finalmente, cumpre esclarecer que este texto é fruto de uma pesquisa que se instaura a partir da sexualidade humana, sua origem, seu determinismo, seus reflexos, e, sobretudo, sua atuação na grande transição que o Homem empreende, ao atravessar os portais do novo milênio.


3 de maio de 2011

A fenda, o abismo e o silêncio: (con)figurações da subjetividade

Os estudos psicanalíticos, por via freudiana, desde a fundação da Psicanálise, não concebe o Homem como substância plenificada de sentidos cuja atuação na realidade objetiva se dá pela completude de sua existência. Ao contrário: é sob o estado movediço da incompletude que o protagonista do sujeito se lança como móvel representativo da dualidade, da dubiedade, da contradição, e, por conseguinte, dos estados nevrálgicos que acometem a psiquê, ao ser compreendida esta última como consciência em contínuo estado de formação.
Ser consciente, portanto, é mergulhar, de forma radical, na inconsciência que nos transforma no agente do lógos, do pensamento, e, em instância ulterior, da razão. Tal condicionamento, se, por um lado, coloca o Homem em rota de colisão, pois o vetor da consciência sofre o peso da âncora dos valores da cultura e das leis regulatórias, castradoras, proibitivas e coercitivas, denominada aquela por SUPEREGO, por outro lado, a nossa verdadeira identidade, recalcada no INCONSCIENTE, nos liberta das amarras do mundo marcado por um mal - estar civilizatório, em consonância com Sigmund Freud.
Entre a consciência, que mascara o céu que não possuímos, e a inconsciência, que revela o inferno que somos, a razão é, desse modo, o câmbio flutuante de nossas emoções, que, se não tende à degenerescência, pois é virtual, também não se torna o porto seguro - tópos ideal do ser humano, que vislumbra no sonho a perfeição que jamais alcançaremos na vida compreendida como processo de formação do sujeito. Nesta  configuração triangular, a subjetividade é corroída por uma ferrugem que não molda o sujeito, em sua instância egóica, mas, antes, mina as estruturas daquele, concorrendo para o estado de crise permanente no qual todos estamos, desde o nascimento até o desenlace.
Não existem sujeitos perfeitos. Não há subjetividades formadas. No sujeito e na subjetividade há vãos consideráveis nos quais o psiquismo, por ser uma fornalha dinâmica, age, reage e / ou retroage, dependendo dos processos endógenos e exógenos, respectivamente, pelos quais a entidade egóica passa. Sem estas ações hostis, sem este quadro, aparentemente selvagem, o ser humano não atinge o estado de sobrevivente no mundo. Para atravessar a ponte, o deserto, a escuridão, qualquer que seja a metáfora que utilizemos para denotar a realidade da esfera na qual o humano se circunscreve, é importante que reconheçamos as imperfeições que delimitam a nossa existência, e, simbioticamente, a nossa essência. 
Nesta diretriz, a Filosofia, a Religião, a Psicologia e a Psicanálise atravessam encruzilhadas similares.A primeira  se preocupa com o movimento angular do ser e sua representação no Real, através da atividade do pensamento. A segunda tem como objetivo apontar na falha do sujeito a necessidade da busca, e, claro, da presença de uma entidade sobrenatural para que alcancemos o equilíbrio. A terceira envida todos os esforços metodológicos e clínicos para ajustar o sujeito e mantê-lo integrado na malha social. A quarta visa à conscientização dos estados perfeitos e imperfeitos que moldam o sujeito, não prometendo a este último a cura de todos os males, mas a capacidade de lidar com as realidades diversas e adversas que atingem e compõem a nossa personalidade.
Claro está que em todas as descrições conceituais elaboradas acima percebe-se cristalinamente a condição do Homem na acepção de sujeito. Qual seja: as subjetividades de todos os indivíduos que se compreendem por existentes estão carentes por alguma coisa; estão adoecidas, e, portanto, precisam de tratamento. A tese da incompletude, abordada no início desse texto, é a constatação inequívoca de que ninguém na face da Terra goza de uma saúde plena e incorruptível ao nível do psiquismo. Eis aqui o idealismo, e, portanto, o sonho. Na utopia, a inexistência ou a eliminação de todas as doenças que podem nos acometer, inclusive as perturbações de ordem somática e psicossomática. Na realidade, um aparelho chamado de psíquico, que, movido pelas pulsões de vida e de morte, respectiva e concomitantemente, luta para sobreviver nas selvas de pedra que construímos para a nossa própria ruína.
A falha que nos constitui como sujeitos em crises, açoitados pelas neuroses ou naufragados pelas psicoses, é a fenda que descobrimos quando reconhecemos que o que nos impulsiona na realidade é a atividade ininterrupta do Desejo. Assim, sempre desejamos algo; desejamos alguma coisa; desejamos muitas coisas; desejamos um universo impensável de coisas, e que nunca nos satisfaz. Logo, a busca pela satisfação de nossa vontade consciente nada mais é do que a perseguição incansável do nosso inconsciente, que funda no desejo a pátria da realização de todos os nossos sonhos e projetos de vida - processos que são mensurados pela tentativa constante, mas não pela realização integral daqueles. O desejo, por seu turno, implica prazer, e o prazer é o objetivo principal de toda cadeia significativa e metassignificativa do Eu, no circuito do aparelho psíquico. 
Uma vez percebida a fenda em nossa constituição psíquica, há, inegavelmente, entre o ideal (o desejo) e o real (a satisfação) um abismo considerável, que nos obriga a refletir sobre a nossa condição temporal, finita, e que nos torna reféns das patologias que atingem o aparelho psíquico no mundo contemporâneo; todas sob um guarda-chuva crescente chamado stress.
O silêncio - a ausência da palavra que não desconstrói a essência da verdade, mas potencializa, de forma simbólica, o valor do lógos -, se transforma na última parada de uma estação ferroviária, onde psicólogos e psicanalistas encontram na clínica (o fazer terapêutico) o exercício de escuta do Outro, que, operando o diálogo, percebe as fendas e os abismos que dispõem analistas de um lado e analisandos do outro.
Na fenda do eu, o abismo do Outro; no silêncio do eu, a palavra do Outro; na subjetividade do analisando, a verdade do analista. Todos sob o véu atraente do Desejo. Desejo de falar, desejo de ouvir e desejo de se calar, configurando e reconfigurando as subjetividades possíveis.